O Lobo e o Chibinho

Lobu ku Xibinhu

O Lobo e o Chibinho andaram por todo o Curral de Baixo, Fazenda, Trás-os-Montes, Ponta-Furna, Biscainhos, foram para Matu Brasil, Lagoa, Chã de Juncos, para todas as zonas do Tarrafal e não encontraram comida.

Então resolveram ir para o concelho de Santa Catarina. Ali, estiveram em Picos, Belém, Santana, até chegarem à Praia. Estavam cheios de fome.

Depois, regressaram a Santa Catarina. Ali, passaram a caçar animais alheios que cozinhavam e comiam. Chibinho tinha um cão e o Lobo também. Mas o cão do Lobo morreu e este conservou os ossos, melhor dizendo, a caveira do cão. Então, a partir daí, sempre que saíam em caçadas, o cão do Chibinho matava uma cabra e o Lobo ia em correria com a sua caveira, e, aproximando-se da cabra morta, dizia:

— Chibinho, Chibinho… O “Arreganhado” é que a apanhou!

“Arreganhado” era a caveira do cachorro morto. E o Chibinho, que não era o mais coitado, e até era mais esperto que o Lobo, mas, como o Lobo era seu tio, deixava-o com a carne toda.

Passado algum tempo, aconteceu que os dois se separaram: Chibinho foi para um lado e o Lobo para outro. Então, o Lobo começou a passar fome, enquanto que o Chibinho, não se sabe como, descobriu uma figueira, carregada de figos maduros, no meio de uma ribeira. Assim, ele passou a comer figos, até não poder mais.

Um belo dia, Chibinho vinha caminhando, de repente, cruzou-se com o Lobo, que coitadinho, andava dobrado de tanta fome, e estava muito magro, velho, quase a morrer. Então, disse-lhe o Lobo:

— Ei Chibinho, por onde tens andado que estás assim tão gordo, forte e valente, que te tenho procurado por todos os sítios, e nada?... Eu, como vês, estou aqui quase a morrer!

Chibinho respondeu:

— Tenho andado por aí, desenrascando-me… Foram aparecendo coisinhas aqui e ali, que tenho comido para não morrer.

— Chibinho – replica o Lobo –, tu estás a comer algo muito bom para estares assim!

Então, resolveu o Lobo enganar o Chibinho. Fingiu que ele estava com dores de dentes, e começou:

— Ui, ui, ui… Oh! Chibinho, tira-me uma coisa, aqui assim, nos dentes!

Chibinho disse-lhe:

— Deixa-me tirar-ta com este pedaço de pau.

— Com pau, não… Chibinho!... Pau serve para fazer caixão para as nossas mães quando morrerem.

Então, o Chibinho sugeriu:

— Então com agulha.

— Oh Chibinho!... Com agulha!?... Pelo amor de Deus!... Não vês que com a agulha coseremos a mortalha das nossas mães quando falecerem.

Chibinho exclamou:

— Meu tio, então o quê?...

Ele disse ao Chibinho:

— Com os dedos!

Ao que o Chibinho respondeu:

— Mas, tio, como é que consigo que os dedos entrem no espaço entre os dentes?

— É só esfregar um pouquinho. – Explicou o Lobo.

Mal o Chibinho lhe meteu os dedos na boca, o Lobo advertiu-o:

— Enquanto não me disseres onde tens vindo a encontrar comida, não te largo os dedos!

Então foram até à figueira. Mas, como os figos estavam muito altos, o lobo perguntou ao Chibinho como é que se chegava aos figos.

Chibinho disse-lhe:

— Meu tio, é fácil. Oiça, para a figueira se abaixar até à nossa altura, dizemos “Figueira, dixi, dixeti!”, a figueira desce, e nós subimos. Para a figueira subir, dizemos “Figueira, subi, subeti!” e ela sobe.

Então, o Chibinho ordenou à figueira para descer, eles subiram e, de novo, ordenou para subir, a figueira subiu, e começaram a comer figos. Era ainda manhã, quando começaram a comer figos. A certa altura, o Chibinho disse:

— Tio, já é noite!... É hora de irmos para casa! Vamos e voltemos amanhã!

— Se quiseres, vai sozinho, porque eu não vou! Eu tenho que desforrar de toda a fome que já passei! Não vou a lado nenhum.

Chibinho disse-lhe:

— Meu tio, vou-me embora.

Chibinho mandou a figueira descer. Uma vez no chão, o Lobo perguntou-lhe:

— Como é que se faz para a figueira voltar a subir?

Chibinho lembrou-lhe:

— Diga “Figueira, subi, subeti!”

Ele repetiu a fórmula, a figueira voltou a subir. Perguntou de novo:

— Para descer, o que devo dizer, quando quiser ir para casa?

— Tio, diga “figueira, dixi, dixeti!”, e desce.

O Lobo era burro, e “mantekasku”, como dizemos em crioulo aqui, no Tarrafal. Então, o Lobo continuou comendo. E quando se saciou, era quase meia-noite. Sentiu vontade de ir para casa e resolveu pedir à figueira para descer. Mas já não se lembrava da fórmula. Só lhe veio à cabeça “subi, subeti” que foi dizendo e repetindo, e a figueira foi assim subindo, até chegar ao céu. Lá, ele encontrou São Pedro que lhe disse:

— Ó rapaz, o que estás fazer?

— Foi uma figueira que me trouxe até aqui, mas eu quero ir para casa.

S. Pedro disse-lhe:

— Como é que queres ir para casa?... Bem, vais para casa, mas vê lá bem o que fazes! Toma esta pele de cabra e vai lavá-la no mar, para tirar a gordura e todas as sujidades, e vou fazer um tambor, para te levar à terra.

E o lobo, guloso como era, mesmo farto, quando chegou à beira mar, começou a lavá-la, ao mesmo tempo que a ia comendo, pedaço daqui, pedaço dali. Quando voltou a S. Pedro, sem a pele, justificou-se:

— Sabe o mar estava muito bravo e, logo à primeira, arrebatou-me a pele…

— E agora? Como é que eu faço? Bom, tu já não vais lavar mais pele!

Então, São Pedro mandou um anjo:

Vai lavar esta pele, e traz-ma para eu fazer um tambor, amarrar o Lobo numa corda e descê-lo. Quando chegar à terra, toca o tambor, eu corto a corda. Mas só toca o tambor, quando chegar à terra.

Voltando-se para o Lobo:

— Sei que o senhor é traquinas, mas só pode tocar quando chegar à terra!

O Lobo começou a ser descido. A certa altura, viu um corvo e disse-lhe:

— Dá-me um pedaço do cuscuz que aí levas e toco-te uma bela música.

O corvo respondeu:

— Não, não te dou do meu cuscuz.

— Ó corvo, dá-me um pedaço do teu cuscuz que te toco uma linda música!

— Não te dou do meu cuscuz.

Depois viu um francelho, ao qual disse:

— Francelho, dança que te toco uma bela música!

O francelho respondeu:

— Para eu dançar?!

— Dança, que te toco uma bela música!

O francelho começou a dançar e o Lobo tocou o tambor “tantan-tan-tantan”. São Pedro cortou a corda e o Lobo despencou, enquanto gritava:

— Oh! Chibinho… Oh! Chibinho arranja lá a cama… arranja a cama!...

Chibinho pegou em montes de garrafas, quebrou-as, fez uma “cama” com os vidros partidos. Quando o Lobo caiu sobre eles, morreu.

Até agora, anda o Chibinho a chorar a morte do tio.

“Sapatinhar ribeira acima, sapatinhar ribeira abaixo, quem souber mais que conte melhor!”