O rapaz matreiro
Rapasinhu spértu
Era uma vez uma mulher mentirosa. Um certo dia, ela, que tinha uma novilha, disse para consigo:
— Eu minto muito!... No dia em que encontrar alguém que minta como eu ou mais, dou a esse alguém a novilha!
Deixou então a casa e pôs-se a caminho, levando consigo a novilha. Andou, andou e, a certa altura, chegou à casa de uma família, onde apenas encontrou um rapaz, a quem cumprimentou:
— Bom dia, como estás?... Rapaz, onde está a tua mãe?
— A minha mãe foi a Lisboa esgotar o mar para o transformar em horta!
Ela perguntou:
— Onde está o teu pai?
— O meu pai foi arrombar uma rocha para fazer do lugar um espaço de cultivo!
Então, comentou ela:
— Rapaz, pelo que acabo de ouvir, preciso de me sentar… Vou-me sentar mesmo!
Virou-se então para o rapaz e disse:
— Olha, entra em casa e traz-me um assento para me sentar!...
O rapaz entrou e passou imediatamente a colocar as cadeiras umas sobre outras e as cadeiras acabavam caindo, e o rapaz sempre começando de novo. A mulher estranhando a demora, perguntou:
— Rapazinho, ainda não encontraste a cadeira?!...
Respondeu o miúdo:
— Não, estou tentando encontrar uma cadeira fêmea, porque as cadeiras machos costumam dar beliscões nos traseiros das mulheres…
Ela disse:
— Olha, deixa para lá as cadeiras!... Dá-me, antes, um pouco de água do pote!
Indo ao pote, o rapaz apanhava uma caneca de água que, elevando-a, voltava a deitar toda a água no pote, para recomeçar tudo de novo, numa rotina sem fim. A mulher, cansada de esperar, perguntou:
— Rapazinho, ainda não encontraste a água?...
— Dona, estou separando as águas de ontem, de anteontem e do dia anterior, para lhe levar a água fresca de hoje!...
Ela disse:
— Rapazinho, deixa pra lá!... Traz-me, antes, lume para acender um cigarro!
Então o rapaz começou a mexer desordenadamente nas lenhas do fogão, ao que a mulher perguntou:
— Que fazes?
— Estou à procura de lume azul e do amarelo, para lhe levar o mais brando!...
Retorquiu ela:
— Olha, deixa pra lá!...
Mudando de assunto, disse ela:
— Ouve cá, ao passar numa ribeira, encontrei uma camisa a secar com sete mangas!...
Respondeu o rapaz:
— Não digo que seja mentira, pois, na nossa zona, uma mulher deu à luz catorze crianças, com catorze mãos cada!...
Então, disse ela:
— Olha, toma esta novilha!...
A mulher foi-se embora, e ele levou a novilha para a casa do rei, seu padrinho, a fim de ser fecundada pelo touro do rei. O rei disse-lhe:
— Ouve cá, daqui a uma semana, podes vir buscar a tua novilha!...
— Está bem, meu padrinho, virei!...
O rapaz foi-se embora e, só passados sete anos, foi buscar a sua vaca. Quando chegou, disse:
— Padrinho, vim buscar a minha vaca!
O rei disse-lhe:
— Pega aquela que trouxeste e leva-a!...
O rapaz questionou:
— Padrinho, todo este tempo que a minha vaca tem andado cá, não deu nenhuma cria?!...
Ao que o padrinho respondeu:
— Os que lá estão, são todos filhos do meu boi!
Inconformado, disse o rapaz:
— Então, vou indo!
O padrinho tinha um pé de poilão na rua da sua casa pelo qual tinha tanta estimação, a ponto de ter aí alguém à guarda, para evitar que as moscas se poisassem na árvore.
Então, à meia-noite, levantou-se o rapaz e, com um machado bem afiado, trepou na árvore, e foi-lhe dando golpes. O rei, ouvindo os golpes, perguntou:
— Quem está sobre o meu poilão?
— Sou eu!...
— Quem és tu?...
(O rapaz chamava-se Salvador)
— Padrinho, sou eu, Salvador!
— Salvador, que estás a fazer, a esta hora, aí em cima?!...
Respondeu:
— Estou com um problema sério!
— Que problema?
— Olhe, o pai está de parto esta noite… enganei-me na contagem dos meses!... Ele está acamado, com tremuras, e eu não tenho nenhum tronco para aquecê-lo.
Ao que o rei reagiu:
— Quando é que viste um homem a dar à luz?
Responde o rapaz:
— Padrinho, desde que o seu boi começou a parir, todos os homens passaram a dar à luz!
Então, disse o rei:
— Desce daí depressa e pega em todo o rebanho que resultou da tua vaca, e desaparece!
Ao que o rapaz responde:
— Padrinho, é isso mesmo que eu quero!...
Desceu, recolheu o rebanho e foi-se embora.
Acabou: “sapatinhar ribeira acima, sapatinhar ribeira abaixo, quem souber mais que conte melhor!”