Samba, o Satânico, e Amary, o Piedoso

Sàmba Seytaane ak Amari Njullit

​Era uma vez dois rapazes, Samba, o Satânico, e Amary, o Piedoso. Um dia o pai deles decidiu viajar, mas antes de partir fez-lhes as seguintes recomendações:

— Se a vossa mãe der à luz na minha ausência imolem a cabra para celebrar o baptizado da criança, se a égua parir dêem-lhe um molho de feno.

Com a graça de Deus, a mãe deu à luz. Samba Seytané apanhou um molho de feno e foi pô-lo diante da mãe.

A mãe disse-lhe:

— Ah, Samba, não foi o que o teu pai disse!

Samba disse à mãe:

— Escolhe, comes ou morres!

A mãe respondeu:

— Sabes bem que não vou comer o feno.

Ele matou-a com um tiro.

Algum tempo depois a égua teve a cria. Samba matou a cabra e serviu-a à égua. Esta recusou-se a comer e começou a relinchar. Ele atingiu-o com uma flecha mortal.

Terminado o trabalho sujo, Samba refastelou-se na cama e ordenou ao bebé:

— Bebezinho, vai buscar-me tabaco.

O bebé começou a chorar. Ele disse-lhe:

— Porque choras, hem?

Descarregou a espingarda no bebé, que morreu. Em seguida foi montar o potro que tinha acabado de nascer e disse-lhe:

— Quero tabaco.

Este cambaleou com o peso de Samba e caiu. Ele atingiu-o com uma flecha mortal.

Amary voltou um dia à casa da família e ficou a saber o que tinha acontecido. Dirigiu-se a Samba Seytané:

— Ai, Samba Seytané, o pai não nos tinha recomendado isto.

— De qualquer maneira matei-os todos. Agora vamos embora –, disse ele.

Montaram um camelo e foram-se embora. Pelo caminho encontraram um lenhador, a quem Samba disse:

— Empresta-me o teu machado, vou encurtar as patas deste animal, são muito compridas.

Amary quis opor-se, mas Samba não fez caso e cortou as quatro patas do camelo, que morreu com tal suplício. Os dois rapazes continuaram a viagem a pé. Entraram numa casa e disseram ao dono:

— Procuramos um sítio para passar a noite.

Era a casa do rei. Este disse-lhes:

— Tenho um lugar para se abrigarem, mas saibam que é um lugar muito especial, onde não tenho o hábito de receber estranhos.

Eles disseram:

— Pedimos-lhe que nos deixe passar a noite nesse lugar.

Foram então acolhidos e instalados num quarto. A meio da noite Samba levantou-se e foi cortar os órgãos genitais do cavalo do rei e pô-los sobre as brasas para os assar. Depois de os tirar de lá começou a comer e disse a Amary, o Piedoso:

— Vem provar, é delicioso, vem saborear um naco desta carne!

Amary levantou-se num repente e disse a Samba:

— Temos de fugir. Hoje assinaste a nossa sentença de morte.

Fugiram e viram um tamarindeiro, que treparam.

O rei e as suas tropas começaram a procurá-los, para os prender e matar. Quando chegaram ao tamarindeiro poisaram a equipagem debaixo da árvore e começaram a preparar uma refeição, pondo carne a cozinhar.

— Logo que acabarmos de comer continuamos o nosso caminho –, disse alguém.

Samba Seytané disse a Amary, o Piedoso:

— Vá, vamos descer! Não sei como, mas bem comia desta comida.

O irmão disse:

— Ai, Samba Seytané!

— Nada vai impedir-me de comer –, insistiu ele.

Cortou dois ramos, de que se serviu para apanhar primeiro uma tigela e em seguida a panela que tinha a comida. Regalou-se. Quando acabou de comer pegou na tigela, nos restos e nos ossos e deitou-os para cima da cabeça do rei, hang. O rei e o séquito gritaram: “Socorro, há aqui génios, demónios!”

Dispersaram-se, gritando: “Os génios estão a atacar-nos, que vai acontecer-nos?”

Correram e dispersaram-se.

Os irmãos, que estavam em cima da árvore, desceram logo e continuaram caminho, chegando a casa do leão.

— Estamos à procura de abrigo para a noite.

— Posso ir à caça com um de vocês e o outro fica a guardar a minha família –, disse o leão.

Amary, que conhecia o irmão melhor que ninguém, disse ao leão:

— Leva o Samba à caça, eu fico a guardar os teus filhos.

O leão partiu com Samba Seytané. Mal viam uma presa Samba Seytané apressava-se a dizer-lhe que fugisse, para escapar ao leão, e assim todas as presas desapareciam à aproximação deles. Por várias ocasiões o leão quis atacar Samba e comê-lo, mas de cada vez dizia: “Agradece ao teu irmão mais velho, que está em minha casa, por eu ainda não te ter matado! Estou à procura de alimento para os meus filhos e tu estás a privá-los de comida.”

Samba não quis saber.

Continuaram a andar pelo mato e voltaram sem nada. Quando chegaram a casa o leão fez saber a Amary que só por causa dele é que não tinha matado Samba. Amary fez-lhe uma proposta.

— Eis o que vamos fazer –, disse ele ao leão –, vou eu contigo à caça e o Samba fica a tomar conta dos pequenos.

Durante a caçada tiveram presas em abundância. Enquanto isso Samba atacou os leõezinhos e matou-os todos. Pegou neles e fez montes de carne em frente de casa do leão.

— Este monte é meu, aquele ali é do Amary e o outro é do leão –, disse ele

Pôs-se então à frente de casa, à espera deles.

Quando estavam de volta e já perto de casa Amary fez o seguinte oferecimento ao leão:

— Fica aqui e eu vou buscar-te água.

— Não, não, continuemos –, decidiu o leão.

— Espera aqui –, insistiu Amary.

Quando chegou viu o que Samba Seytané tinha feito.

— Meu Deus! São os leõezinhos, o que amontoaste assim? Temos de fugir.

Enquanto corriam uma águia preparava-se para os apanhar e levar com ela, quando Samba teve uma ideia engraçada.

— Espera –, ordenou ele à águia –, esqueci-me do meu cachimbo em casa do leão. Vou buscá-lo.

Encontrou o leão, cansado de chorar, adormecido sobre os montes de carne das crias. Então avivou o lume do cachimbo tanto quanto possível e pô-lo em cima do traseiro do leão. O animal saltou e perseguiu-o.

Samba correu durante muito tempo.

A águia apanhou-o com as garras e levantou voo com ele. Ao fim de algum tempo Samba Seytané disse:

— Aquilo ali no rabo da águia, que se parece com o boné do meu pai, vou tirá-lo.

— Luxeet !, fez ele.

Fez com que a águia caísse e morreram todos na queda.

Então veio uma tartaruga com dois paus, um pau de vida e um pau de morte. A tartaruga bateu em Amary com o pau de vida, que se levantou e disse:

— Passa-mo, vou bater no Samba com ele, se não, uma vez ressuscitado, não hesitará em matar-te.

A tartaruga teimou e disse que era ela que devia bater nele.

— Baac !, fez ela.

Samba Seytané saltou e quando viu a tartaruga gritou:

— Uma tartaruga, que sorte, vou grelhá-la!

— Espera por mim –, ordenou-lhe ele –, vou buscar lenha.

— Guarda-me esta tartaruga –, disse ele a Amary.

Quando o perdeu de vista Amary libertou a tartaruga e disse-lhe que evitasse o sítio em que Samba andava a apanhar lenha. Infelizmente a tartaruga encontrou-se com Samba Seytané.

— Ah, que alegria, duas tartarugas, uma para mim e outra para o Amary!

— Calma –, disse-lhe Amary –, é a mesma tartaruga.

— Se ela tivesse escapado –, ameaçou ele, – eu batia na tua mãe.

Apanhou a tartaruga, grelhou-a e comeu-a, depois continuaram caminho.

Encontraram uma anciã que estava a lavar roupa. Samba Seytané fez-lhe esta pergunta:

— Anciã, destes dois caminhos qual é o do sucesso?

— Este aqui –, disse a mulher, – é a via da morte, da matança e do combate e a sua meta é o trono. Aquele ali –, continuou ela, – é o caminho dos prazeres, dos lazeres, uma pessoa faz o que quer, deita-se onde quiser, mas quem o escolhendo fica cego no fim do caminho.

— Vou começar por ti –, disse Samba, e degolou a anciã.

Amary escolheu o seu caminho, entregou-se aos prazeres, e à chegada ficou cego. Samba Seytané escolheu a dificuldade e o combate, lutou com dignidade e quando chegou ao fim foi proclamado rei.

—Amary, o cego, começou a mendigar e os seus passos levaram-no a casa de Samba Seytané. Encontrou-o sentado na corte.

— Amary –, disse Samba Seytané –, vieste pedir-me esmola?

— Eu não sei nada. Onde estou? –, disse Amary.

— Sou eu, Samba Seytané. Estás aqui para me pedir esmola?

— Sim –, respondeu ele.

Samba comprou agulhas, que espalhou pelo quarto em que ia receber Amary, e foi buscar ramos de tamarindeiro para o chicotear, depois convidou Amary a entrar. Quando ele entrou no quarto Samba Seytané começou a bater-lhe.

— Cego –, disse ele –, diz que agora estás a ver.

— Agora estou a ver! –, disse Amary.

Foi aqui que a história foi para o Paraíso.