Tedungal Djamanu

Tedungal Djamanu

​Havia um casal que ao longo de muitos anos de casamento não conseguiu ter mais do que um filho. Já estavam muito velhos e cansados e, por isso, o filho decidiu procurar uma mulher dos seus sonhos que, na opinião dele, seria uma mulher que pudesse respeitar e trabalhar para os seus pais. Pelos vistos, este tipo de mulher, com estas qualidades, era difícil encontrar na sua própria tabanca, pois aí as raparigas tinham a fama de não respeitarem os próprios progenitores.

Em virtude da idade avançada dos pais, era ele quem fazia todos os trabalhos, desde a lavoura até ao trabalho doméstico.

Ao decidir ir buscar uma mulher em casamento, pediu ao pai que o deixasse ir para longe da sua povoação para encontrar uma mulher nos moldes e nos valores da educação que ele idealizara para casar. O pai autorizou-o a ir procurar essa mulher numa outra povoação.

Ao partir para esta aventura, os pais, como sempre, aconselharam-no a que nunca na vida tomasse coisas de outrem que não lhe fossem dadas de livre e espontânea vontade, em quaisquer circunstâncias. A mãe preparou-lhe comida de viagem que ele guardou num saco, pendurado aos ombros.

Ao andar durante muitos e longos dias a comida começou a esgotar-se pouco a pouco. Ele passava por entre muitas plantações de frutas e, apesar da privação e da fome, sempre resistiu à tentação de provar fruta que fosse. Mas num dado momento, esqueceu-se dos conselhos dos pais e agarrou inadvertidamente numa manga e mordeu-a. Logo que engoliu o primeiro pedaço, lembrou-se do conselho dos pais e ficou confuso sem saber o que fazer. Resolveu interromper a viagem e procurar o dono da plantação para lhe pedir desculpas pelo acto que praticara. Percorreu duas plantações sem encontrar o proprietário, que entretanto residia numa terceira povoação, segundo informações dos populares.

Quando chegou à povoação, encontrou-se de frente com o proprietário, que por sinal era um velho, com uma idade avançada, de tez clara e que se encontrava sentado a descansar em cima de um baloiço de cordas. Cumprimentou o velho e disse-lhe que vinha pedir desculpas pelo facto de ter comido uma manga da sua plantação sem autorização para tal. Explicou-lhe que se encontrava de viagem à procura de uma rapariga com que se casar e que interrompera a viagem para se desculpar junto do velho por causa desse incidente. Contou ao velho que estava a precisar de uma mulher educada e bem comportada que o ajudasse a tratar dos pais de forma condigna e respeitosa.

O velho mirou o rapaz de frente e com emoção respondeu que estava pronto para lhe perdoar, mas com uma condição: ele também era pai de uma rapariga cega, muda, surda, paralítica e leprosa, com a aparência do animal mais feio e horrendo do mato. Ele explicou que precisava de um marido para a filha e se o rapaz estivesse disposto a desposá-la, ele estaria para sempre perdoado.

O rapaz ficou estupefacto com o pedido do velho e disse-lhe que ele realmente precisava de uma rapariga que o ajudasse no trabalho de casa e a cuidar dos pais, mas a filha do velho era tudo menos aquilo de que ele precisava e que tinha idealizado. Portanto, não podia aceitar as condições propostas pelo velho. Então o velho retorquiu e disse que ele podia continuar à procura do seu sonho, sem o perdão dele.

O rapaz decidiu continuar a sua peregrinação, mas, lembrando-se do conselho dos pais, virou-se de novo para o velho e disse:

— Por favor perdoe-me, pai, mas não me obrigue a casar com a sua filha que nem sequer pode andar.

O velho retorquiu outra vez que não o perdoava de jeito nenhum, mas que o rapaz podia partir e seguir viagem à vontade. O rapaz, depois de alguma hesitação, muita reflexão e ponderação, decidiu aceitar contrariado a condição imposta pelo velho de se casar com a filha.

O velho, satisfeito com o acordo conseguido, desembolsou dinheiro e mandou comprar cola para selar o casamento entre a filha e o rapaz que lhe veio pedir desculpa. Finda a cerimónia de prenúncio de casamento, o velho indicou ao rapaz a casa onde habitava a filha e que se encontrava muito afastada do centro da morança. Dirigiu-se ao rapaz e disse em tom jocoso:

— Vai ter com a tua esposa, mas não vale a pena cumprimentá-la, porque não ouve e não vê e muito menos anda.

O rapaz encaminhou-se para a residência da mulher que lhe tinha sido dada em casamento e, chegado em frente da casa, fez-se anunciar com educação, dizendo em voz alta:

— Salamaleikum,

Respondeu uma voz vinda de dentro da casa:

— Aleikumssalkame.

O rapaz estranhou e de imediato pensou que estivesse uma outra pessoa em visita à casa da sua mulher e certamente teria sido essa pessoa a responder. Contudo, não desarmou e resolveu entrar. Qual não foi o seu espanto, quando viu perante si uma mulher completamente diferente daquela que lhe tinham anunciado e, sobretudo, de uma beleza estonteante. Não se contendo com a surpresa, disse para a moça:

— Mas, eu vim ver a filha do velho que me disseram ser uma mulher diminuída em todos os sentidos, o que é completamente diferente daquilo que estou a ver neste momento.

Ela retorquiu:

— Sou a mesma pessoa que lhe indicaram.

O rapaz, de tão surpreendido, não quis acreditar e, dando sinais de impaciência, começou a discutir com a rapariga.

A rapariga disse-lhe que ela era a tal mulher cujas características tinham sido descritas pelo velho, seu pai, pois desde criança nunca tinha conversado com nenhum homem, por isso a apelidavam de muda, e que nunca tinha cumprimentado nenhum homem, por isso lhe diziam leprosa, nunca tinha ouvido voz de homem, por isso era considerada surda. Ao concluir esta explicação convincente, estendeu o braço ao rapaz que o agarrou e saíram juntos da casa. O rapaz ficou estarrecido ao contemplar a rapariga e, disse para consigo, que nunca lhe passara pela cabeça casar-se com uma mulher tão bonita e educada.

O rapaz voltou para a casa do velho e disse-lhe:

— Obrigado, pai, por me ter perdoado e me ter dado em casamento a mulher dos meus sonhos.

O velho disse-lhe que a rapariga era a sua única filha e, portanto, sendo a herdeira, todos os seus bens transitavam para as mãos do casal. Pediu ainda ao rapaz que fosse buscar os seus pais e que viessem morar para junto das plantações para assim melhor cuidarem do património e dos outros bens da família.