Dois irmãos desavindos

Bïrïng bab daame nda bëde nnis

​Numa aldeia, havia dois irmãos em permanente divergência, mas que teimavam em permanecer juntos, em casa dos pais. Mesmo quando o mais velho se casou, as querelas continuaram, não obstante os esforços da sua mulher no sentido de os dois se entenderem.

O irmão mais novo também contraiu matrimónio mas, como as relações não melhoravam, ele optou por abandonar a aldeia natal e construir a sua casa noutro local, deixando toda a herança ao irmão.

No início, no novo local, ele começou a ganhar a vida cortando lenha e vendendo carvão. Ia diariamente ao mato à procura de lenha. Um dia viu um grupo de cavaleiros a passar. Eram ladrões, que iam roubar ouro, e que voltariam sete dias depois. Precisamente no sétimo dia, o grupo de gatunos regressou, com os cavalos carregados de sacos. Escondido num local, viu onde guardavam os sacos. Assim que se foram embora, o lenhador foi verificar o que havia no interior dos sacos, e descobriu que estes continham ouro. Num burro, levou uma parte do ouro para casa. Ao chegar, chamou a mulher e contou-lhe o sucedido, garantindo-lhe que iam deixar de viver na miséria.

A mulher não acreditou, porque ignorava a importância e o valor do ouro. Depois de lhe explicar tudo, o marido disse-lhe ainda que o ouro tinha sido uma dádiva de Deus. Pediu-lhe ajuda para transferir o conteúdo dos sacos para um grande balaio. Terminado o trabalho, não deram conta que uma pepita de ouro ficara encravada num balaio mais pequenino que também fora utilizado. Algumas horas depois, apareceu a mulher do irmão mais velho, a pedir emprestado o balaio. Esta, mal chegou à sua casa, reparou no bocado de ouro retido no balaio. Intrigada, chamou o marido e disse-lhe:

— Eu já tinha avisado para evitares atritos com o teu irmão mais novo. A vida dele agora mudou.

Sem perceber onde ela queria chegar, o marido indagou:

— O que há de novo na vida dele?

Então, a mulher mostrou-lhe o pedaço de ouro que encontrou no balaio da mulher do cunhado. Sem perder a calma, este resolveu ir visitar o irmão mais novo, a fim de tentar descobrir como é que ele tinha conseguido o ouro. Foi bem recebido e a cunhada obsequiou-lhe com um jantar de muito boa qualidade. Perante isto, deixou de ter qualquer dúvida de que a vida do irmão realmente mudara para melhor, como lhe tinha dito a sua própria esposa.

Sem se inibir, confessou ao irmão que tinha lá ido para pedir ajuda para poder se alimentar.

O irmão mais novo chamou a mulher e explicou-lhe a situação. Esta, sem hesitar, mediu 20 canecas de arroz e deu ao cunhado. De regresso à casa, o irmão mais velho mostrou à mulher o arroz e admitiu que esta tinha razão quando afirmara que o seu irmão mais novo se tinha enriquecido.

Passado algum tempo, o irmão mais novo começou a construir um prédio, confirmando assim que realmente tinha prosperado. Sem vergonha, o irmão mais velho decidiu ir ter novamente com ele. Revelou que a plantação, herdada do pai já não dava frutos, e por isso ele e a família passavam fome e precisavam de ajuda. Perguntou ainda ao irmão onde é que ele tinha conseguido tanta fortuna.

O irmão mais novo escutou-o sempre bem-disposto e satisfez-lhe todos os pedidos. Prometeu que na manhã seguinte ia conduzi-lo ao local onde tinha encontrado os sacos de ouro.

No dia seguinte, na hora fixada, partiram juntos para a floresta e esconderam-se num sítio onde não podiam ser detectados pelo grupo de ladrões a cavalo.

Horas depois, viram os assaltantes a passar mas, assim que os perderam de vista, o irmão mais novo sugeriu que não tocassem nos sacos, porque os ladrões iriam desconfiar que alguém tinha descoberto o esconderijo. Voltaram para casa sem mexer no ouro.

Entretanto, o mais velho não se desarmou. Mal chegou a casa, decidiu voltar ao esconderijo. Disse à esposa que iria viajar na madrugada seguinte e que regressaria de tarde.

Pouco tempo depois de ter chegado ao local onde estavam os sacos de ouro, foi surpreendido pelo grupo de ladrões a cavalo. Estes pressentiram a presença de um intruso no esconderijo. Puseram-se a procurar e acabaram por descobrir o homem. Bateram-lhe até morrer e deitaram o cadáver num buraco longe do esconderijo.

Depois de esperar pelo marido durante todo o dia, e como este não dera sinal de vida, a mulher foi ter com o cunhado a quem disse:

— O teu irmão saiu de madrugada para uma viagem, prometeu voltar de tarde, mas até então não apareceu.

O irmão mais novo desconfiou de imediato do que se teria passado. Pediu à cunhada que não falasse com ninguém sobre o assunto, e partiu em busca do irmão no local onde estavam os sacos de ouro. Porém, antes de lá chegar, notou um bando de abutres a rodar com insistência num local. Dirigiu-se para lá e deparou com o cadáver do irmão. Levou o defunto para casa e tanto o velório como o funeral decorreram na maior discrição possível, para evitar que os ladrões descobrissem quem tinha ficado com parte do seu ouro.

No entanto, os ladrões não desistiram. Contrataram um jovem para investigar onde havia gente a chorar pela morte de um familiar. O jovem acabou por descobrir o local e fez um sinal na casa, para posterior identificação. Mas, sem se dar conta, ele estava a ser observado por uma menina. E esta, para evitar a desgraça da família, fez igual sinal em todas as casas da aldeia.

Quando os ladrões do ouro se dirigiram finalmente para a casa que tinha sido assinalada, notaram que mais casas tinham o mesmo sinal. Confusos, chamaram o jovem e protestaram em relação ao trabalho mal feito. Mesmo assim, não abandonaram a busca. Disfarçaram-se de vendedores de óleo de palma e foram à casa do irmão do morto. Este não se apercebeu da armadilha, e combinaram que eles voltariam no dia seguinte, com muitos potes de óleo de palma. No interior dos potes, os ladrões pensavam pôr homens armados, que tentariam recuperar os sacos de ouro e depois matar o irmão mais novo.

Mais uma vez, foi uma criança a detectar o perigo.

A mulher do irmão mais novo mandou uma sobrinha comprar algo, e quando esta regressou, foi espreitar, num dos potes, e em vez de óleo de palma, descobriu que havia pessoas armadas. Alertou imediatamente a tia que esses homens eram falsos negociantes, que tinham vindo apenas para matar o tio.

A mulher do irmão mais novo pôs então a ferver uma grande quantidade de óleo de palma, que usou como arma para neutralizar os bandidos. Primeiro entornou uma porção do óleo escaldante sobre o chefe que estava sentado a negociar. Depois, com a ajuda do marido, foi pondo óleo candente no interior de cada pote, matando um a um todos os assaltantes. Depois de enterrarem os cadáveres, dirigiram-se ao esconderijo dos ladrões e tiraram todo o resto do ouro que lá se encontrava.

Com a riqueza conseguida, o irmão mais novo construiu muito mais casas e atribuiu uma à viúva do irmão mais velho.

Não se casou com ela, como manda a tradição, apesar da cunhada ainda ser nova. Mas encarregou-se da criação dos sobrinhos e disponibilizou-se a ajudar em tudo o que a mulher do falecido irmão precisasse.