Sambayel, Filho de Ladrão e Neto de Mentiroso

Sambayel gujjo tanum pennowo

​Era uma vez um homem que não fazia mais que roubar os bens dos outros. Um dia, no leito de morte, chamou a mulher, que estava à espera de bebé. Falou-lhe do seu desejo de ver o filho que ia nascer seguir o seus passos e tornar-se também mentiroso e ladrão.

Sambayel nasceu.

Alguns anos depois, quando brincava com os amigos, cada um falava dos feitos do próprio pai no exercício da sua profissão. Quando Sambayel queria meter-se na conversa para também ele falar do pai, diziam-lhe: “Cala-te, o teu pai não passava de um ladrão e de um grandessíssimo mentiroso.” E ele calava-se, vexado.

Um dia, atormentado pela vergonha, perguntou à mãe:

— Mãe, qual era o trabalho do pai? Os meus amigos estão sempre a dizer que ele era ladrão e mentiroso.

A mãe respondeu:

— Filho, não vale a pena saberes o que o pai fazia quando era vivo.

Sambayel insistiu e disse à mãe:

— Mesmo que o pai tenha sido um pequeno vendedor de sandálias devo saber.

Foi assim que a mãe lhe contou toda a verdade e que o pai tinha sido um ladrão e um grande mentiroso.

No dia seguinte Sambayel levantou-se cedo e foi brincar com os amigos para a saída da aldeia. Viram três pombos, um virado para leste, outro para oeste e o terceiro no meio de ambos. Sambayel rastejou sem fazer barulho e apanhou o pombo que estava no meio, sem que os outros dois dessem por isso.

Quando chegou a casa disse à mãe:

— Comecei a seguir as pisadas do pai.

Noutro dia levantou-se com a intenção de roubar a galinha-do-mato do rei, em que ninguém se atrevia a tocar. Apanhou-a, matou-a e encheu sete vasos com a enxúndia dela, que escondeu na casa de banho. Na altura ninguém se apercebeu do que ele fez. O rei acabou por notar que a galinha-do-mato tinha desaparecido e procurou-a em todo o lado, em vão. Tocaram-se então os tambores, para pedir às pessoas que dissessem se sabiam onde estava a galinha-do-mato. Toda a gente disse que não a tinha visto.

O rei tinha uma filha que se chamava Farmata. Esta convocou todos os rapazes da aldeia para saber qual era a profissão de cada um. Os jovens vieram um a um e disseram-lhe o que faziam na vida. Ela disse:

— Ouvi-vos todos, mas ainda não tive a resposta que procuro.

Chegou a vez de Sambayel, que disse à filha do rei:

— Fui eu que roubei a galinha-do-mato do vosso pai.

Farmata disse:

— Dá-me uma prova disso, para que a mostre ao meu pai.

— Tendes de me rapar uma parte da cabeça, e isso será a prova. Ama— nhã mostrai o cabelo ao rei –, respondeu Sambayel.

Dito e feito. Farmata rapou um parte da cabeça do rapaz e levou o cabelo. Sambayel foi logo ter com a mãe e perguntou-lhe:

— Mãe, terá o pai, ao longo da sua vida de ladrão, roubado lâminas?

A mãe disse:

— Não falta disso cá em casa, o teu pai roubou muitas.

Ele foi buscar as lâminas ao quarto da mãe e pediu-lhe que lhe rapasse a cabeça toda e a untasse com a enxúndia da galinha-do-mato. Depois disto, durante a noite, Sambayel entrou em cada uma das casas da aldeia e rapou parte da cabeça de todos os homens, sem que eles se apercebessem. Até mesmo a cabeça do rei, que dormia, foi rapada.

No dia seguinte o rei mandou chamar toda a gente, mas Sambayel não apareceu. O rei mandou alguém saber de Sambayel, Filho de Ladrão e Neto de Mentiroso, como todos lhe chamavam na aldeia. Este disse ao enviado do rei:

— É só o tempo de me preparar para responder à chamada.

Passado um instante Sambayel pôs-se a caminho, levando um boné na cabeça. Mal entrou na casa real, Farmata apontou-o e disse ao pai.

— Eis o teu ladrão.

Sambayel defendeu-se e perguntou:

— O que foi que eu roubei?

O rei perguntou-lhe:

Foste tu que roubaste a minha galinha-do-mato?

Sambayel retorquiu:

— Onde fostes buscar essa acusação?

Farmata sobressaltou-se e disse:

— Atreves-te a negar que és o ladrão? Tenho a prova disso, a tua cabeça está meio rapada e fui eu que a rapei. Eis a prova –, disse ela, exibindo o cabelo de Sambayel.

Sambayel tirou o boné e voltando-se para as pessoas, disse:

— Na verdade parece-vos que esta cabeça tenha tido cabelo? Aqui todos os homens estão meio rapados, excepto eu.

Todos se deram conta de que tinham a cabeça meio rapada, mesmo o rei. O espanto foi geral. As pessoas foram-se embora, cada uma foi para sua casa.

Uma mulher chamada Déwel Diawando prometeu ao rei que havia de encontrar a galinha-do-mato, acrescentado, no entanto:

— Será com a condição de me dardes em troca um quilo de ouro e um quilo de prata.

O contrato foi rapidamente selado e o rei entregou-lhe o ouro e a prata. Ela decidiu então ir a casa de Sambayel, com cuja mãe tinha laços. Ardilosamente disse-lhe:

— O meu neto está doente. Tentámos tudo para o curar, mas em vão. Disseram-me que podíamos curá-lo com enxúndia de galinha-do-mato.

A mãe de Sambayel disse-lhe:

— Se só isso pode curá-lo então vieste ao lugar certo. O Sambayel roubou uma galinha-do-mato e guardámos a enxúndia em sete vasos, para circunstâncias como esta. Ele não está cá, mas vem comigo, vou dar-te um bocado.

Ela deu-lhe um bocado numa colher de pau. Quando estava a sair de casa, precisamente na entrada, Déwel Diawando cruzou-se com Sambayel, que lhe disse, depois de a observar atentamente:

— Mãe Kaari, que vieste fazer a nossa casa?

Ela respondeu:

— O meu neto está doente e disseram-me que a enxúndia de galinha-do-mato é o remédio indicado para o tratar e curar, por isso vim perguntar à tua mãe se ela tinha alguma guardada.

Sambayel, ainda mais finório que ela, disse-lhe:

— Vem daí, vou dar-te mais um bocado. Tendo em conta a amizade que te liga à minha mãe não vou deixar-te ir com tão pouca enxúndia. Vem comigo.

Ela seguiu Sambayel, que a levou para dentro de casa. Logo que chegaram ele atirou-a ao chão, degolou-a e sussurrou-lhe ao ouvido:

— Não sei quem irá dizer ao rei que fui eu que roubei a galinha-do-mato dele, do que tenho a certeza é que não serás tu!

O rei esperou dias e dias, sem receber notícias de Déwel Diawando nem da galinha-do-mato. Então decidiu espalhar ouro pelas ruas da aldeia. Pôs guardas em todos as esquinas para guardarem o ouro, pensando que assim havia de deitar a mão a quem se baixasse para o apanhar. Na altura Sambayel estava a dormir. A mãe veio acordá-lo e disse:

— Levanta-te, filho, estão a montar uma armadilha para te apanhar. O rei espalhou ouro por todos os cantos da aldeia e quem lhe tocar vai ser acusado de roubo e executado, pois ser-lhe-á imputado o desaparecimento da galinha-do-mato do rei. Sei que não vais conseguir resistir à tentação, por causa do teu sangue, vais roubá-lo e vais ser morto, filho.

Atendendo a estas palavras, Sambayel levantou-se e concebeu logo um plano para roubar o ouro:

— Mãe, o pai alguma vez na vida roubou kaañeeri e sandálias?

A mãe respondeu:

— Nada disso nos falta, meu filho, o pai fartou-se de roubar dessas coisas às pessoas.

Sambayel foi buscar as sandálias e em cada sola pôs kaañeeri. Para roubar o ouro calcorreava as ruas da aldeia, mudando de sandálias de cada vez que saía. Quando andava por cima do ouro este ficava colado às solas das sandálias, depois Sambayel regressava a casa, para deixar o espólio, e voltava a sair, calçado com outro par de sandália, e assim fez até não haver mais ouro nas ruas da aldeia.

A assembleia da aldeia foi de novo convocada. Todos estavam presentes, menos Sambayel.

Farmata recebeu Sambayel, que lhe confessou ter sido ele que roubara o ouro do pai dela e lhe contou como se tinha servido das sandálias para o fazer. Farmata pediu-lhe que apresentasse uma prova das suas alegações. Ele tirou do pulso uma pulseira de prata e deu-lha.

Mas quando a noite caiu Sambayel foi ao palácio, entrou no quarto do rei e roubou delicadamente a pulseira que ele tinha no pulso, depois foi ao quarto de Farmata e substituiu a pulseira que lhe tinha dado pela do rei, voltando em seguida para casa como se nada fosse.

No dia seguinte Farmata disse ao pai:

— Sei quem é o teu ladrão, tenho comigo uma prova segura e incontestável. Desta vez o culpado não conseguirá negar o crime.

O rei mandou vir Sambayel e transmitiu-lhe o que a filha lhe tinha dito. Sambayel defendeu-se exigindo uma prova. Farmata trouxe perante a assembleia a caixinha em que tinha a pulseira. As pessoas, que perceberam que se tratava da pulseira do rei e não da de Sambayel, tinham a incredulidade estampada no rosto.

Durante vários dias o Filho de Ladrão e Neto de Mentiroso desfez-se em golpes deste género e a certa altura teve a ideia diabólica de roubar o próprio rei. Foi ter com a mãe e perguntou-lhe:

— Mãe, durante a sua vida de ladrão reputado alguma vez o pai conseguiu roubar o próprio rei?

A mãe gritou:

— Acabas de assinar a tua sentença de morte, filho! Que estás para aí a dizer?

Ele insistiu:

— Mãe, vou roubar o rei esta noite.

Tarde na noite levantou-se e entrou em casa do rei. Encontrou-o a dormir profundamente, ao lado da mulher. Levantou-o com muito cuidado e carregou-o às costas. Sempre com muito cuidado, dirigiu-se para a saída da aldeia com o seu fardo. Quando chegou ao centro do cemitério sentou o rei contra um tronco de árvore e amarrou-o, depois subiu para a árvore e pegou num saco cheio de pedras. Quando atirou a primeira pedra, mëlëp, o rei sobressaltou-se e gritou:

— Que se passa? Onde estou eu? Quem me trouxe para aqui?

O rei tremia como varas verdes. Sambayel respondeu:

— Fui eu, Deus, que te trouxe para cá.

O rei disse:

— Um deus que fala!

Sambayel fez uma voz de além-túmulo:

— Sim, e mato-te se não te calares.

O rei calou-se imediatamente. Sambayel atirou outra pedra, rut!, que caiu ao lado do rei. Este continuava a tremer de medo. Sambayel disse-lhe:

— Conheces o Sambayel?

O rei respondeu:

— O Sambayel, Filho de Ladrão e Neto de Mentiroso? Sim!

Ele voltou a atirar-lhe uma pedra, rut!, e disse:

Não quero voltar a ouvir essa infâmia. Que nunca mais nesta aldeia se oiça alguém chamá-lo por essa alcunha. Mais uma recomendação, tens uma filha bonita, que se chama Farmata, dá-a em casamento ao Sambayel, depois divide em dois o teu reino, tu continuarás rei numa parte e deixarás Sambayel reinar na outra. É uma ordem, se não lhe obedeceres és um homem morto.

Atirou mais uma pedra, para o assustar ainda mais. O rei concordou com tudo o que o deus Sambayel lhe pediu e foi desamarrado da árvore.

O rei voltou para casa.

No dia seguinte convocou os aldeões. Todos responderam à chamada excepto Sambayel, que como de costume dormia. O rei perguntou por ele, mas alguém teve a infelicidade de responder:

— Quem? O Sambayel, Filho de Ladrão e Neto de Mentiroso?

O rei mandou degolá-lo imediatamente, porque já ninguém podia chamar Sabayel assim.

Alguém foi buscar Sambayel e encontrou-o a dormir. Disse-lhe:

— Estão à tua espera em casa do rei.

— Diz que vou já, é só o tempo de me preparar.

Instantes depois chegou ao palácio do rei. Este recebeu-o como nunca antes e disse-lhe:

— Fui eu que mandei chamar-te. Quero que saibas que mais ninguém proferirá a alcunha Filho de Ladrão e Neto de Mentiroso, e acrescentou logo “Astaghfirulah”, para se fazer perdoar. Depois disse:

— Vou dividir o meu reino em dois e uma parte é para ti. Dou-te a mão minha filha Farmata. Ela será tua mulher quando quiseres.

Foi assim que Sambayel se tornou rei de uma parte do reino, casou com a filha do rei e fez esquecer a alcunha com que os aldeões o tinham ridicularizado.