O peixinho

Pexinhu

​Estamos aqui em Ponta-Furna, não é? Saímos da Mangue para aqui, não é? Em relação à Maria, era o seguinte. Íamos a descer para a Fazenda, quando cruzámos com a madrinha acompanhada da afilhada. A madrinha tinha duas filhas, ambas Maria: uma filha e uma afilhada. A Maria, filha, chamava-se Maria de Fátima e a afilhada chamava-se Maria Teresa. Todas as manhãs bem cedo, a madrinha dizia para a Maria Teresa:

 ̶  Levanta-te, arruma a casa, vai à ribeira buscar a água, vai buscar a lenha e, quando regressares, põe o milho no pilão, trata de o cochir!

Ela não tinha nem pequeno-almoço, nem almoço, nem lanche. A vida para ela era o que calhasse. Todos os dias era a mesma coisa. Passou uma semana, um mês, dois meses, quando ia fazer três meses, ela disse para consigo mesma:

 ̶  Uff… minha mãe!... Não vou conseguir sobreviver!

Um belo dia, foi à fonte e pôs-se a pensar. Regressou, sentindo-se fraca, poisou a lata de água no chão, pegou numa corda e foi à procura de lenha. Quando saiu para a lenha, parou no cimo de uma colina, exclamou:

 ̶  Ó meu Deus, eu não vou sobreviver!... Vou morrer… se levar este feixe de lenha tão pesado, vai ser uma afronta... Não vou resistir! Se não o levar, a minha madrinha vai me matar… vai me bater para me matar!

Então, ficou de pé um pouquinho, depois sentou-se e começou a chorar. Chorou, chorou, chorou e, a certa altura, disse:

 ̶  Meu Deus, não vou sobreviver… É melhor tirar-me a vida agora, antes de eu ir para casa!

Momentos depois e de repente, veio uma grande onda, com cerca de três metros de altura, bateu na pedra e ficou ali um peixinho a estrebuchar. Ela olhou para o peixinho e disse:

 ̶  Peixinho, com toda esta fome que eu tenho, eu deveria comer-te!

Mas o peixe disse-lhe:

 ̶  Não me comas… Se quiseres ter uma boa vida e ser melhor que toda a gente como o rei, não me comas!

Ela retorquiu:

 ̶  Peixe, porque não devo comer-te?

 ̶  Põe-me no chão… Olha só… põe-me no chão, vou e volto com comida para comeres.

Quando o Peixinho, cerca de cinco minutos depois, voltou com um balaio cheio de merenda (“merenda”, não sabem o que é? Badio diz “café”)… um balaio de café. Ela sentou-se e começou a comer. O peixe disse-lhe:

 ̶  Come até te saciares!... De contrário, não precisas comer.

Momentos depois, o peixe aconselhou:

 ̶  Olha, pega na tua lenha e vai para casa!... Mas, se não quiseres continuar aí, eu te ajudo… Se quiseres, ajudo-te a saíres daí!

Ela exclamou:

 ̶  Ah!… Não me faças isso!...

Ele confirmou:

 ̶  Faço, sim!

 ̶  Vais me ajudar?

 ̶  Ajudo-te.

 ̶  E quando eu chegar aqui e não te encontrar, o que faço?

Ele ensinou:

 ̶  Quando vieres, põe-te de pé em cima duma pedra, olha para o mar e canta: “Peixinho, Peixinho… Peixinho, Peixinho!... Vem daí à praia, o mar é longínquo… Maria preta de bongolão ‘hu-uuu’…”

 ̶  Repete, por favor!... Não fixei!

O peixe repetiu:

 ̶  Peixinho, Peixinho!... Vem daí à praia, o mar é longínquo… Maria preta de bongolão…

A Maria Teresa fixou os dizeres e foi para casa levar a lenha. Noutro dia, muito cedo, foi à procura de água e, ao chegar à casa, mal deixou a água à porta, a madrinha ordena-lhe:

 ̶  Vai buscar a lenha!

Ela saiu à procura da lenha, mas dirigiu-se ao local do encontro com o Peixinho. Ao chegar aí, cantou, e o Peixinho apareceu com a merenda. Ela comeu e o Peixinho disse-lhe:

 ̶  Olha, vou te dizer uma coisa: se quiseres que te ajude a mudar de casa, para saíres dessa maçada, vais ter de te casar comigo!

Ela respondeu:

 ̶  Se me ajudares, caso-me contigo!... Caso-me… Caso-me!

Então, o Peixinho meteu a mão no bolso, tirou uma semente de abóbora e deu-lha:

 ̶  Tu… esta semente é para quê?...

 ̶  Leva-a. Quando chegares à casa, antes de pores a lenha no chão, ajoelha-te, esgravata o solo, põe-na aí, entulha e calca com os pés três vezes. Depois, vai buscar uma caneca de água e rega-a.

A Maria Teresa fez exactamente como o Peixinho lhe ensinara. Quando amanheceu, daquela semente de abóbora, a aboboreira tinha-se espalhado por toda a rua. Aliás, por toda a localidade, e até sobre os tectos das casas.

No dia seguinte, a Maria de Fátima, que andava sempre sentada a uma máquina de costura, porque o trabalho dela era costurar, disse:

 ̶  Mamãe, olha, a aboboreira que plantámos, já está com frutos maduros!

A mãe respondeu:

 ̶  Vai, apanha uma abóbora, traz… vamos fervê-la depressa e comê-la já, antes que a Teresa chegue!

A Maria Teresa estava com o Peixinho lá, à beira-mar. Pouco depois, chegava a Maria de Fátima com a abóbora, que a mãe lhe arrebatou das mãos, lavou-a e cortou-a em pedaços que, colocados num caldeirão, encheram-no, e, seguidamente, pô-lo ao lume.

Passados alguns instantes, foi ao fogão e viu que a abóbora já estava cozida. Chamou então pela mãe e disse:

 ̶  Mamãe, a abóbora já está cozida, mas esqueci-me de lhe pôr sal.

A mãe respondeu:

 ̶  Olha, vai à taberna e compra sal!

Quando a Maria de Fátima saía para comprar sal, olhou para a panela, e disse:

 ̶  Ah!… abóbora!... Estás muito bonita, uma tentação! Deixa-me tirar-te um pedaço que vou comendo pelo caminho, ainda que sem sal.

Tirou um pedaço que começou a comer. Tinha andado uns metros, quando começou a sentir-se mal, sem força nas pernas. Então, chamou:

 ̶  Mamãe, mamãe!... A abóbora está a matar-me! – e caiu morta.

A mãe, que não ouvira o chamamento da filha, esperou, esperou, esperou, e a filha não vinha, então levantou-se e disse:

 ̶  Ela está a demorar muito!... Espera aí…

Foi até à panela, olhou e exclamou:

 ̶  Oh! Abóbora!... Estás mesmo linda e pareces bem apetitosa! Deixa-me tirar-te um pedaço que vou comendo pelo caminho!

Tirou um pedaço e foi comendo, enquanto ia ao encontro da filha. Mal saiu da casa, começou a sentir-se mal e pôs-se a chamar:

 ̶  Fátima, oh! Fátima!... A abóbora está a matar-me! – e caiu também morta.

Assim, a casa ficou sem ninguém.

O Peixinho disse então à Maria Teresa:

 ̶  Olha, aquelas pessoas acabaram de morrer. Vai, arruma tudo o que está lá, menos a panela de abóbora, e traz!

 ̶  Como é que eu vou fazer para trazer tudo?!... Não tenho carro!

O Peixinho disse-lhe:

 ̶  Vai, ajunta tudo, abre os braços e faz uma trouxa, põe-na à cabeça e traz tudo como está!

Trata-se de uma casa, com coisinhas e de pouco valor. Coisas de coitados como nós!

Ela foi buscar tudo, colocou tudo às costas e trouxe. Ao chegar ao sítio, cantou:

 ̶  Peixinho, Peixinho!... Vem daí à praia, o mar é longínquo… Maria preta de bongolão…

Logo veio uma onda muito forte que embateu nas rochas, apareceu uma carroça com quatro cavalos, onde despejou as coisas que trazia.

A Maria Teresa, um pouco receosa, perguntou:

 ̶  Não se vai estragar nada?

Depois de tudo arrumado na carroça, o Peixinho disse para a Maria Teresa:

 ̶  Fecha os olhos!

Maria Teresa, que entrara já na carroça, fechou os olhos, e partiram pelo mar fora, e foram viver para um castelo.

Desde aquela altura até agora, deixei-os com dois bebés. E mandaram-me uma carta a dizer que o terceiro será meu afilhado!... Mas, depois, acabei me mudando de zona!

“Sapatinhar ribeira acima, sapatinhar ribeira a baixo, quem souber mais que conte melhor!”