A escolha do noivo da princesa

Skódja di noibu di prinséza

Coisas e coisas que passaram a acontecer neste mundo, e que hoje venho contar, neste preciso momento.

Era uma estória de um rei e de uma rainha que moravam numa grande cidade habitada por muita gente. O rei era o chefe deles todos e por isso mandava em toda a gente. Tiveram dois filhos, o príncipe e a princesa. A princesa já estava crescida e feita mulher.

Já em idade de se casar, o rei resolveu publicar uma lei a dizer que pretendia casar a sua filha com um dos rapazes da cidade. Mas o rapaz que quisesse se casar com a princesa, tinha que conseguir comer um prato de malagueta, sem fazer “hxhxhxh”.

Então, mandou abrir inscrições e todos os rapazes de todos os bairros da cidade, se inscreveram: eram milhares de rapazes. Chegado o dia do concurso, com toda a gente, acomodada num campo de futebol (antigamente os campos não tinham relva. Eram de terra batida), todos sentados no chão, alguns descalços, outros com sapatos, outros com chinelos ou sandálias de plástico, cada um à sua maneira (dentro da possibilidade de cada qual). Pobres e ricos, todos juntos, foram assistir ao concurso. Os rapazes concorrentes estavam sentados, todos juntos. Iniciou-se o concurso. Chamou-se o primeiro concorrente que logo tomou o seu prato de malagueta e levando uma colherada à boca, depois de uma dentada, exclamou:

“Hxhxhxh”… Oh! Minha mãe... isto não vai!

Desistiu.

Veio o próximo inscrito, foi a mesma coisa. Vieram mais de três mil rapazes e nenhum deles conseguiu.

Então o rei decidiu que a filha não iria se casar com nenhum daqueles rapazes. Aguardaria até que alguém conseguisse comer o tal prato de malagueta.

Aconteceu que, no momento em que todos iam abandonar o espaço, um dos curiosos que estavam ali, olhou para o lado e viu um homem, com ar de coitadinho, com uma grande cabeleira toda ela branca e desgrenhada, trazendo umas calças velhas e rotas, descalço, com os pés sujos e com parasitas, lêndeas no cabelo e com uma roupa que não dava nem para ver: um coitadinho mesmo! Daqueles para os quais faltam palavras para caracterizá-los. (A propósito de “coitado”, costumo dizer que há coitado, muito coitado e oh! Minha mãe de coitado! O andrajoso era “oh! Minha mãe de coitado!”) Então, a pessoa, que viu o tal coitadinho, disse:

Sr. Rei, ainda falta um.

O sr. rei respondeu:

Falta um?!... Não deve estar inscrito!

Sim, ele não está inscrito… Mas ele está aqui. Ele está cá, Sr. Rei… e palavra do rei não se desmente! O senhor disse que todos podiam participar… e ele está cá.

Então, todos se aproximaram, quando o senhor rei o mandou entrar.

Quando o coitadinho entrou, o rei disse:

Quem?... Tu?!... Vai-te embora! Não vais conseguir!

Os outros… mais bonitos, mais afeiçoados do que tu, não conseguiram, tu vais conseguir?!...

Bom, já que tem de ser!... Já sabes como é que é!

O coitadinho respondeu:

Sei… sabemos como é. Devemos comer um prato de malagueta, sem fazer “hxh”.

Ele nem conseguia fazer “hxhxhxh”! Quando começou o concurso, todos se ajeitaram. (Pena é que não havia televisão na época para filmar, mas como eu estava lá, vi tudo e passei a contar!)

Pegou num prato de malagueta, virou-se para o rei e disse:

Sr. Rei, o senhor disse que se casará com a sua filha, aquele que conseguir comer um prato de malagueta, sem fazer “hxhxhxh”.

O rei confirmou e disse:

Felizmente que te lembraste!

Então, apanhou uma colherada de malagueta, levou à boca, deu uma valente dentada e disse:

Sr. Rei, é para não fazer “hxhxhxh”!

O rei disse:

Isso mesmo!... É para não fazer “hxhxh”.

O coitado retorquiu:

Sr. Rei, não vou fazer “hxhxhxh”!...

E voltou a apanhar mais um bocado. Antes de o colocar na boca, disse:

Sr. Rei… já sabe como é: é para não fazer “hxhxhxh”.

Levou a colher à boca, deu uma boa dentada e disse:

Sr. Rei, já viu que não estou a fazer “hxhxh”… Ai minha mãe!... Não vou fazer “hxhxhxh”!... Sr. Rei, não vou fazer “hxhxhxh”!

O rei respondeu:

Não, não podes fazer “hxhxh”.

Retorquiu o concorrente:

Então, não faço “hxhxhxh”!...

Assim, de colherada em colherada, acabou por comer todo o prato de malagueta.

Então, o rei acabou ficando constrangido e a pensar: “Ai minha gente… vou ter de casar a minha filha que tanto amo, a minha princesa, com este coitado!” A seguir, disse:

Pronto, vais te casar com a minha filha.

De seguida, o rei mandou contratar um barbeiro, o melhor barbeiro da cidade, e mandou comprar os materiais da barbearia da melhor qualidade que havia na cidade, providenciou uma bancada para ele se sentar e o barbeiro começou a trabalhar, cortando-lhe a barba e arranjando-lhe o cabelo.

À medida que ia lhe aparando o cabelo, o rapaz foi parecendo mais jovem. Ele não era assim velho; estava era maltratado. O coitado tinha fome e não tinha ninguém que lhe desse de comer. É dessa maneira que foi-se definhando, e ficou franzino.

Com os aparos, o rapaz foi ficando mais bonito, enquanto o barbeiro lhe fazia a barba e lhe aparava os cabelos. O rei mandou preparar-lhe um banho, com o melhor “shampô”, sabão, gel de banho, tudo do melhor e lhe deram um bom banho. De seguida, mandou vir um fato dos Estados Unidos da América, o mais bonito e o melhor que havia. Quando apareceu vestido com tal fato, ninguém queria acreditar que era o mesmo rapaz que ganhara o concurso comendo o prato de malagueta. Ninguém acreditou mesmo!

Marcou-se o casamento. Nem imaginam quem foi que o casou! O papa veio de Roma, de propósito, para casar a filha do rei, naquele tempo de mil novecentos e não sei quantos. Então, o rapaz casou-se com a princesa e fez-se uma grandiosa festa. (Eu estive lá e foram três dias de festejo! Festa como essa, jamais se viu! De tal maneira que me esqueci do caminho de regresso! Tal era a festa! Eu jamais fora a uma festa assim!)

Quando se casaram, foram para a casa deles. Os filhos começaram a nascer: tiveram um, tiveram dois… Há dias passei por lá, com um amigo, encontrei-o na varanda, ele convidou-me para tomar um chá com eles. Fui, tomei o chá e, depois, disse-me:

Lembra-se de mim?

Respondi-lhe:

Claro que me lembro de si! O senhor é um dos que estavam no concurso e que conseguiu comer um prato de malagueta… Pergunta-me se me lembro de si!? Eu é que estava pensando que não se lembrava de mim!

Desprezaram-me, mas olhe para mim! Hoje, sou um dos homens mais ricos desta cidade!

“Sapatinhar ribeira acima, sapatinhar ribeira abaixo… quem souber mais que conte melhor!” Como se costuma dizer, há um saco cheio de dinheiro a rolar pela encosta do Fontão abaixo, em direcção ao mar. Se não forem depressa, tudo vai parar ao mar e ficam sem o dinheiro!