A hiena e a lebre vão ao baptizado
Suluu niŋ saŋ la taa kuliwooto
Ia celebrar-se um baptizado e os convivas ocupavam-se dos preparativos com entusiasmo e alegria. Só a lebre parecia preocupada, pois a hiena, conhecida pela sua falta de saber estar, tinha-lhe proposto que a acompanhasse à cerimónia. A lebre manifestou-lhe a sua grande desconfiança. Bouki prometeu comportar-se bem e jurou por todos os santos, acabando por convencer a lebre. Depois de se abastecerem de leite de vaca, que iam oferecer aos familiares do recém-nascido, puseram-se a caminho. Mal saíram da aldeia a hiena fez uma proposta absurda à lebre.
— Sabes o que vamos fazer? Enchemos as cabaças com os nossos excrementos e só deixamos um bocadinho deste bom leite ao pé da tampa.
A lebre fingiu entrar neste jogo bem estúpido. Cada uma delas escondeu-se atrás de um arbusto. A hiena pegou na cabaça dela, vatatata , e bebeu o leite. Não deu o último golo, que deitou na tampa da cabaça. A lebre, por seu lado, não respeitou as recomendações. Fez as suas necessidades num arbusto, atirando depois os ramos sujos para longe, e não bebeu nem uma gota de leite.
Depois disto puseram-se de novo a caminho. Quando estavam a alguns passos da aldeia os habitantes viram-nas e exclamaram: “As nossas convidadas estão a chegar, as convidadas estão a chegar!”
Correram ao encontro delas. As mulheres velhas e as raparigas disputavam as cabaças. As velhas diziam às jovens que a cabaça grande lhes pertencia por direito, argumentando que desde há muito eram as raparigas que ficavam com a parte mais pequena dos presentes.
Começaram a despejar o leite em recipientes maiores. Começaram pela cabaça da hiena, solololo putuputuputu , eram só excrementos! Em seguida pegaram na cabaça da lebre. As raparigas despejaram o leite num recipiente, saratatata. A cabaça não continha senão leite. Atiraram à hiena a cabaça dela, para grande vergonha da lebre.
Depois deste incidente e do jantar que lhes foi servido, pediram que as deixassem ir para o quarto que lhes fora reservado. Deram à hiena uma esteira de palha e à lebre uma de couro. A meio da noite a hiena acordou a lebre, a queixar-se.
— Minha irmã lebre, esta esteira pica, podemos trocar?
A lebre disse:
— Sabes bem que se eu deixar que te deites na esteira de couro vais comê-la, e vais fazer-nos passar uma vergonha diante dos nossos anfitriões.
A hiena disse:
— Irmãzinha, eu não faria isso, juro. Eu, fazer-te passar uma vergonha? Nunca!
A hiena cedeu e trocaram de esteiras no escuro. Depois de um bom bocado sem conseguir dormir a hiena levantou-se, pegou numa faca, fiirat !, e rasgou uma ponta da esteira de couro.
A lebre disse-lhe:
— Hiena, irmã mais velha, estás a comer a esteira.
— Juro que são esses gatinhos rafeiros, vão comer o couro todo.
Deitaram-se novamente. Passou-se mais um bom bocado e a hiena começou outra vez a rasgar o couro, fiirat!, acabando por comer a esteira toda, a não ser um bocadinho no sítio em que estava deitada. No dia seguinte levaram as esteiras para o pátio e estenderam-nas ao sol. Todos viram que a da hiena estava estraçalhada. Mas a hiena insistia, repetindo que os gatos é que tinham comido a esteira de couro.
Disseram-lhes:
— Deitem-se. Uma estrela vai cair na barriga da culpada.
Deitaram-se e a estrela caiu na barriga da hiena, pis. Ela agarrou o astro e atirou-o para cima da barriga da lebre. Discutiram durante muito tempo.
Depois da celebração do baptizado a lebre e a hiena despediram-se dos anfitriões, que as levaram até um recinto em que estavam os presentes para elas, presos por cordas. No chão viram apenas uma corda grossa e outra muito fina.
A lebre pegou na corda grossa. A hiena bateu-lhe na mão, dizendo que desde que o mundo era mundo foram sempre os mais velhos a ficar com a parte maior de todas as coisas.
— Tu atreveste-te a escolher a corda grossa! –, disse ela, em tom de reprovação.
A lebre contentou-se em apanhar a corda fina e entregou a grossa à hiena. A lebre puxou a corda e uma vaca saiu do recinto. Ela disse:
— Ha, ha, ha, esta é a parte da lebre!
A hiena, por sua vez, puxou a corda dela e viu aparecer uma cabra. Ficou furiosa.
Começaram a viagem de volta e a certa altura a hiena perguntou à lebre:
— Uma cabra com três patas ainda consegue correr?
A lebre respondeu:
— Lembro-me de que um dia fomos ameaçados pelo fogo de uma queimada, que vinha em nossa direcção. Corremos com toda a velocidade, para salvar a vida. À nossa frente ia uma cabra só com três patas, a liderar a corrida. Nunca conseguimos apanhá-la.
A hiena arrancou uma pata à cabra. Comeu a carne toda e não deixou à lebre senão osso. A lebre pôs o osso no saco. Andaram durante muito tempo e a hiena ficou outra vez com fome. Então perguntou à lebre:
— Irmãzinha, uma cabra com duas patas ainda consegue correr?
A lebre respondeu:
— Num outro dia fomos ameaçados por outra queimada. Corremos atrás de uma cabra com duas patas, mas não conseguimos apanhá-la.
A hiena arrancou de uma só vez duas patas da cabra, que ficou só com uma. Quando as arrancou a cabra caiu. Então a hiena comeu sozinha a cabra toda. Quando devorava um bocado dava o osso à lebre, que o punha no saco.
Puseram-se de novo a caminho. A hiena disse à lebre:
— Minha irmã, minha irmã lebre, sabes o que vamos fazer? Vamos matar a tua vaca.
A lebre não aceitou. Então a hiena disse:
— Proponho-me vigiá-la. Serei o teu pastor, vou tomar conta da tua vaca e vou fazê-lo bem.
A lebre disse:
— És manhosa! Um dia podias cobrir a vaca com lama vermelha e vir dizer-me em seguida: “Lebre, aconteceu uma coisa esquisita à tua vaca. Não será melhor matá-la?” Não era isto que farias?
A hiena disse:
— Não, minha irmã lebre, nunca faria tal coisa.
A lebre disse:
— Está bem, confio-te a minha vaca.
A hiena guardava a vaca, tomou conta dela durante tanto tempo que a lebre parecia ter-se esquecido do animal. Um dia a lebre foi à pastagem, já perto do anoitecer. Àquela hora os pastores conduziam os animais para a aldeia. A lebre disse para consigo:
— Espero que a hiena não demore a regressar a casa, como os outros.
A hiena, entretanto, tinha coberto o corpo da vaca com lama vermelha, mas esqueceu-se das orelhas. Quando voltou disse à lebre:
— Irmãzinha, vem aí o búfalo, vem aí o búfalo! Ele caçou a vaca.
A lebre preparou a espingarda e começou a gritar: “huhu!”
A vaca parou de correr. A lebre virou-se para a hiena e disse-lhe:
— Ei, por tua causa quase que a matava.
A hiena respondeu-lhe dizendo que estava a brincar. Riu tanto que a lebre acreditou nela. Voltou a confiar nela e a deixá-la guardar a vaca. Alguns dias depois a hiena cobriu de novo a vaca com lama, incluindo as orelhas e o nariz. Chegou à aldeia a correr e disse à lebre:
— Vem aí o búfalo, vem aí o búfalo!
A lebre gritou outra vez: “Uh, uh, uh!”, mas desta vez a vaca não parou. A lebre abateu-a com um tiro de espingarda. A hiena, satisfeita com a sua esperteza, começou a cantar e a dançar, dizendo:
— A minha irmã lebre matou a vaca dela. A pastora tem direito à sua parte do animal morto e é ao tunkumee que tem direito.
A lebre concordou e esquartejou a vaca.
Quando acabou de assar o tunkumee deu-o à hiena.
Na verdade a lebre tinha apanhado uma pedrinha, que escondeu no tunkumee, juntamente com os ossos que Bouki lhe tinha dado. A hiena pegou naquilo e meteu-o na boca, começando a mastigar. Acabou por perder um dente e passou a noite com a cabeça entre as mãos. No dia seguinte a lebre ficou preocupada com o estado dela e fez-lhe mil perguntas. A hiena respondeu:
— Não me aconteceu nada de grave. Na verdade não comi a carne que ontem me deste. Não sei porque é que tenho a mandíbula inchada. Não te importas de ver se tem pus?
A lebre pôs a mão na boca da hiena, que a fechou e lhe disse então:
— Mostra-me onde escondeste a carne, se não não te largo a mão.
A lebre entregou a carne toda à hiena.