Nafa Munharé
Nafa Munharé
Quando Alah criou o Mundo, também criou três tipos de pessoas, a saber:
Indivíduos que podem aceitar a diferença do seu semelhante (Sofredor), pessoas traidoras por natureza (Djanfante) e pessoas que gostam de aldrabar os outros.
Havia um reino, cujo rei se chamava Mohamadal Chaad e que nunca tinha tido filhos, mesmo sendo casado com duas mulheres muito bonitas. Este era o primeiro reino depois do surgimento do ser humano. Por ironia do destino, essas duas mulheres encarnavam as duas últimas personagens acima mencionadas.
O rei, sabendo que por mais dinheiro e poder que tivesse não se sentiria realizado e feliz se não tivesse filhos, convocou todos os sábios que habitavam no seu reino para os consultar e descobrir a razão por que ele não conseguira até à data ter filhos.
Os sábios reunidos fizeram as suas preces durante noites a fio e descobriram que o rei, para ter filhos, devia se casar com uma terceira esposa, mas com uma condição:
Esta mulher tinha que ser a mais feia do reino do rei Mohamadaal Chaad, caso contrário o rei nunca teria filhos. Assim que foi anunciado o resultado da consulta, o rei mandou centenas de emissários para todo o seu território, a fim de buscar a mulher mais feia do reino. Depois de muita procura, os emissários foram descobrir esta personagem de mulher numa povoação algures, muito longe do reino.
A mulher foi encontrada quando fazia o percurso entre a fonte e a sua casa. Na realidade era uma mulher bastante feia: o nariz quase colado aos lábios; os lábios fendidos ao meio e os dentes saídos para fora. O seu nome era Umo.
O rei foi informado da localização da rapariga, da feiura que patenteava, bem como das dificuldades e da extrema pobreza em que vivia com os seus pais e, por fim, que era filha única. Não obstante esta descrição pouco favorável, o rei decidiu enviar cola para a pedir em casamento, o que aliás foi feito com muita rapidez. Ela foi levada de imediato para o palácio do rei.
Lamentavelmente, ela era não somente a mulher mais feia do rei, mas também escrava das suas duas rivais, porque todos os trabalhos domésticos, tais como limpar e cozinhar, eram por ela feitos.
Depois de algum tempo de casada com o rei, a profecia cumpriu-se! A dona casa (primeira esposa) engravidou, a segunda esposa também engravidou, seguidas pela noiva, quase que em simultâneo. Após nove meses de gravidez, todas deram à luz filhos saudáveis, entre os dias segunda, terça e quarta-feira da semana.
Num misto de espanto e contentamento, o rei mandou chamar a sua primeira esposa e fez-lhe a seguinte pergunta: por que razões, por mais que se lhes faça bem, as mulheres gostam de trair? À segunda esposa perguntou: porque gostam as mulheres de aldrabar, mesmo bem tratadas?
Quando a mesma pergunta foi colocada a Umo, ela respondeu que tudo tem a ver com a educação das pessoas. Ela foi educada para não trair e nem aldrabar ninguém, pois os seus pais sempre a aconselharam que devia saber sofrer e tratar bem o marido para ter filhos como recompensa desse comportamento.
Depois desta pequena conversa com as suas esposas, o rei mandou chamar o djidiu/trovador para anunciar a todos o baptismo de todas as crianças num único dia. Mais, anunciou ao trovador que todos os filhos teriam o nome de Mamadu, com alcunhas diferenciadas em conformidade com o comportamento das mães de cada um.
O primeiro filho foi chamado de Mamadu (Djanfante), ao segundo foi dado o nome de Mamadu Calabante (Aldrabão) e ao terceiro o de Mamadu Munhare (Sofredor). Este último era o filho da Umo.
Ao completarem dez anos, o pai decidiu que deveriam emigrar para conhecerem a dureza da vida e a necessidade de crescerem solidários num espírito de irmandade sadia e fraterna. Antes de partirem para a emigração, cada um foi falar com a sua mãe, para receber os últimos conselhos em como deviam se comportar com estranhos e entre si.
Partiram num belo dia entre lágrimas e despedidas, cada um tendo um saquinho de provisão de canha debaixo do braço.
Após vários dias de caminhada e confrontados com a falta de água, os dois primeiros irmãos pediram ao irmão que era sofredor que permitisse furarem-lhe um olho para se abastecerem de água para beber e lavar roupas. Este sempre resignado, aceitou o pedido dos irmãos, que furaram-lhe o olho e obtiveram água. Volvidos alguns dias, sentindo outra vez falta de água, solicitaram uma vez mais ao irmão que os deixasse furar o outro olho, dizendo que eles iriam providenciar um pau para o guiar e ajudar na caminhada. Mais uma vez ele anuiu e furaram-lhe o olho e ele ficou totalmente cego.
Depois de saciarem a sede e de lavarem os haveres, disseram ao irmão que um sofredor é sempre um estúpido porque não resiste aos sentimentalismos. Por isso abandonaram-no à sua sorte e partiram para a viagem.
Ele ficou naquele lugar sozinho, indefeso e muito isolado, lugar habitual de concentração anual de todos os animais, das mais variadas espécies. Justamente, naquele dia começava a concentração para o início da nova época de caça de animais e aves.
Foi a jagudi, a mais velha de todos os animais, a primeira a chegar. Ela tinha quase 250 anos. Devido à idade, tinha algumas penas nas suas asas, cujas propriedades faziam ressuscitar a visão de qualquer animal ou ser humano.
Mamadu Munhare, (Sofredor), ouviu e presenciou toda a discussão das aves sobre as propriedades das penas e peles de todos os animais que ali estavam aglomerados para planearem as suas caçadas. Assim, quando as aves e os animais saíram do local, Mamadu Munhare, apalpou até achar três penas de jagudi que tinham três propriedades: poder, dinheiro e visão.
Pegou na primeira pena, passou-a em cima dos olhos e recuperou a visão. Pegou na segunda que tinha a propriedade do poder e na terceira que tinha a propriedade do dinheiro. Com essas propriedades, ele partiu em busca dos seus irmãos e foi encontrá-los a serem castigados numa povoação interdita a hóspedes.
Quando Munhare viu a condição dos seus irmãos, utilizou a pena que tinha a propriedade do poder e conseguiu dissuadir o rei daquele povoado a deixar livre de castigo os seus irmãos e a alimentá-los com um prato servido com fígado de vaca.
Libertos dos castigos e alimentados, eles continuaram a viagem de volta para o reino do pai. Quando chegaram informaram o rei do que se tinha passado. O rei castigou com severidade os dois irmãos pelo comportamento desleal que tiveram para com o irmão, e disse-lhes que ninguém deve enveredar pelo caminho do mal e da maldade, pois quem faz mal, sempre colhe o troco dos seus actos.