Sambayel, Filho de Ladrão e Neto de Mentiroso
Sambayel gujjo tanum pennowo

Conto Fula
Région de Matam, dép. de Matam, col. loc. de bokidiawe, village de Dondou
SenegalContador
Sadio Ndiaye
Nível
elementar
Era uma vez um homem que não fazia mais que roubar os bens dos outros. Um dia, no leito de morte, chamou a mulher, que estava à espera de bebé. Falou-lhe do seu desejo de ver o filho que ia nascer seguir o seus passos e tornar-se também mentiroso e ladrão.
Sambayel nasceu.
Alguns anos depois, quando brincava com os amigos, cada um falava dos feitos do próprio pai no exercício da sua profissão. Quando Sambayel queria meter-se na conversa para também ele falar do pai, diziam-lhe: “Cala-te, o teu pai não passava de um ladrão e de um grandessíssimo mentiroso.” E ele calava-se, vexado.
Um dia, atormentado pela vergonha, perguntou à mãe:
— Mãe, qual era o trabalho do pai? Os meus amigos estão sempre a dizer que ele era ladrão e mentiroso.
A mãe respondeu:
— Filho, não vale a pena saberes o que o pai fazia quando era vivo.
Sambayel insistiu e disse à mãe:
— Mesmo que o pai tenha sido um pequeno vendedor de sandálias devo saber.
Foi assim que a mãe lhe contou toda a verdade e que o pai tinha sido um ladrão e um grande mentiroso.
No dia seguinte Sambayel levantou-se cedo e foi brincar com os amigos para a saída da aldeia. Viram três pombos, um virado para leste, outro para oeste e o terceiro no meio de ambos. Sambayel rastejou sem fazer barulho e apanhou o pombo que estava no meio, sem que os outros dois dessem por isso.
Quando chegou a casa disse à mãe:
— Comecei a seguir as pisadas do pai.
Noutro dia levantou-se com a intenção de roubar a galinha-do-mato do rei, em que ninguém se atrevia a tocar. Apanhou-a, matou-a e encheu sete vasos com a enxúndia dela, que escondeu na casa de banho. Na altura ninguém se apercebeu do que ele fez. O rei acabou por notar que a galinha-do-mato tinha desaparecido e procurou-a em todo o lado, em vão. Tocaram-se então os tambores, para pedir às pessoas que dissessem se sabiam onde estava a galinha-do-mato. Toda a gente disse que não a tinha visto.
O rei tinha uma filha que se chamava Farmata. Esta convocou todos os rapazes da aldeia para saber qual era a profissão de cada um. Os jovens vieram um a um e disseram-lhe o que faziam na vida. Ela disse:
— Ouvi-vos todos, mas ainda não tive a resposta que procuro.
Chegou a vez de Sambayel, que disse à filha do rei:
— Fui eu que roubei a galinha-do-mato do vosso pai.
Farmata disse:
— Dá-me uma prova disso, para que a mostre ao meu pai.
— Tendes de me rapar uma parte da cabeça, e isso será a prova. Ama— nhã mostrai o cabelo ao rei –, respondeu Sambayel.
Dito e feito. Farmata rapou um parte da cabeça do rapaz e levou o cabelo. Sambayel foi logo ter com a mãe e perguntou-lhe:
— Mãe, terá o pai, ao longo da sua vida de ladrão, roubado lâminas?
A mãe disse:
— Não falta disso cá em casa, o teu pai roubou muitas.
Ele foi buscar as lâminas ao quarto da mãe e pediu-lhe que lhe rapasse a cabeça toda e a untasse com a enxúndia da galinha-do-mato. Depois disto, durante a noite, Sambayel entrou em cada uma das casas da aldeia e rapou parte da cabeça de todos os homens, sem que eles se apercebessem. Até mesmo a cabeça do rei, que dormia, foi rapada.
No dia seguinte o rei mandou chamar toda a gente, mas Sambayel não apareceu. O rei mandou alguém saber de Sambayel, Filho de Ladrão e Neto de Mentiroso, como todos lhe chamavam na aldeia. Este disse ao enviado do rei:
— É só o tempo de me preparar para responder à chamada.
Passado um instante Sambayel pôs-se a caminho, levando um boné na cabeça. Mal entrou na casa real, Farmata apontou-o e disse ao pai.
— Eis o teu ladrão.
Sambayel defendeu-se e perguntou:
— O que foi que eu roubei?
O rei perguntou-lhe:
Foste tu que roubaste a minha galinha-do-mato?
Sambayel retorquiu:
— Onde fostes buscar essa acusação?
Farmata sobressaltou-se e disse:
— Atreves-te a negar que és o ladrão? Tenho a prova disso, a tua cabeça está meio rapada e fui eu que a rapei. Eis a prova –, disse ela, exibindo o cabelo de Sambayel.
Sambayel tirou o boné e voltando-se para as pessoas, disse:
— Na verdade parece-vos que esta cabeça tenha tido cabelo? Aqui todos os homens estão meio rapados, excepto eu.
Todos se deram conta de que tinham a cabeça meio rapada, mesmo o rei. O espanto foi geral. As pessoas foram-se embora, cada uma foi para sua casa.
Uma mulher chamada Déwel Diawando prometeu ao rei que havia de encontrar a galinha-do-mato, acrescentado, no entanto:
— Será com a condição de me dardes em troca um quilo de ouro e um quilo de prata.
O contrato foi rapidamente selado e o rei entregou-lhe o ouro e a prata. Ela decidiu então ir a casa de Sambayel, com cuja mãe tinha laços. Ardilosamente disse-lhe:
— O meu neto está doente. Tentámos tudo para o curar, mas em vão. Disseram-me que podíamos curá-lo com enxúndia de galinha-do-mato.
A mãe de Sambayel disse-lhe:
— Se só isso pode curá-lo então vieste ao lugar certo. O Sambayel roubou uma galinha-do-mato e guardámos a enxúndia em sete vasos, para circunstâncias como esta. Ele não está cá, mas vem comigo, vou dar-te um bocado.
Ela deu-lhe um bocado numa colher de pau. Quando estava a sair de casa, precisamente na entrada, Déwel Diawando cruzou-se com Sambayel, que lhe disse, depois de a observar atentamente:
— Mãe Kaari, que vieste fazer a nossa casa?
Ela respondeu:
— O meu neto está doente e disseram-me que a enxúndia de galinha-do-mato é o remédio indicado para o tratar e curar, por isso vim perguntar à tua mãe se ela tinha alguma guardada.
Sambayel, ainda mais finório que ela, disse-lhe:
— Vem daí, vou dar-te mais um bocado. Tendo em conta a amizade que te liga à minha mãe não vou deixar-te ir com tão pouca enxúndia. Vem comigo.
Ela seguiu Sambayel, que a levou para dentro de casa. Logo que chegaram ele atirou-a ao chão, degolou-a e sussurrou-lhe ao ouvido:
— Não sei quem irá dizer ao rei que fui eu que roubei a galinha-do-mato dele, do que tenho a certeza é que não serás tu!
O rei esperou dias e dias, sem receber notícias de Déwel Diawando nem da galinha-do-mato. Então decidiu espalhar ouro pelas ruas da aldeia. Pôs guardas em todos as esquinas para guardarem o ouro, pensando que assim havia de deitar a mão a quem se baixasse para o apanhar. Na altura Sambayel estava a dormir. A mãe veio acordá-lo e disse:
— Levanta-te, filho, estão a montar uma armadilha para te apanhar. O rei espalhou ouro por todos os cantos da aldeia e quem lhe tocar vai ser acusado de roubo e executado, pois ser-lhe-á imputado o desaparecimento da galinha-do-mato do rei. Sei que não vais conseguir resistir à tentação, por causa do teu sangue, vais roubá-lo e vais ser morto, filho.
Atendendo a estas palavras, Sambayel levantou-se e concebeu logo um plano para roubar o ouro:
— Mãe, o pai alguma vez na vida roubou kaañeeri e sandálias?
A mãe respondeu:
— Nada disso nos falta, meu filho, o pai fartou-se de roubar dessas coisas às pessoas.
Sambayel foi buscar as sandálias e em cada sola pôs kaañeeri. Para roubar o ouro calcorreava as ruas da aldeia, mudando de sandálias de cada vez que saía. Quando andava por cima do ouro este ficava colado às solas das sandálias, depois Sambayel regressava a casa, para deixar o espólio, e voltava a sair, calçado com outro par de sandália, e assim fez até não haver mais ouro nas ruas da aldeia.
A assembleia da aldeia foi de novo convocada. Todos estavam presentes, menos Sambayel.
Farmata recebeu Sambayel, que lhe confessou ter sido ele que roubara o ouro do pai dela e lhe contou como se tinha servido das sandálias para o fazer. Farmata pediu-lhe que apresentasse uma prova das suas alegações. Ele tirou do pulso uma pulseira de prata e deu-lha.
Mas quando a noite caiu Sambayel foi ao palácio, entrou no quarto do rei e roubou delicadamente a pulseira que ele tinha no pulso, depois foi ao quarto de Farmata e substituiu a pulseira que lhe tinha dado pela do rei, voltando em seguida para casa como se nada fosse.
No dia seguinte Farmata disse ao pai:
— Sei quem é o teu ladrão, tenho comigo uma prova segura e incontestável. Desta vez o culpado não conseguirá negar o crime.
O rei mandou vir Sambayel e transmitiu-lhe o que a filha lhe tinha dito. Sambayel defendeu-se exigindo uma prova. Farmata trouxe perante a assembleia a caixinha em que tinha a pulseira. As pessoas, que perceberam que se tratava da pulseira do rei e não da de Sambayel, tinham a incredulidade estampada no rosto.
Durante vários dias o Filho de Ladrão e Neto de Mentiroso desfez-se em golpes deste género e a certa altura teve a ideia diabólica de roubar o próprio rei. Foi ter com a mãe e perguntou-lhe:
— Mãe, durante a sua vida de ladrão reputado alguma vez o pai conseguiu roubar o próprio rei?
A mãe gritou:
— Acabas de assinar a tua sentença de morte, filho! Que estás para aí a dizer?
Ele insistiu:
— Mãe, vou roubar o rei esta noite.
Tarde na noite levantou-se e entrou em casa do rei. Encontrou-o a dormir profundamente, ao lado da mulher. Levantou-o com muito cuidado e carregou-o às costas. Sempre com muito cuidado, dirigiu-se para a saída da aldeia com o seu fardo. Quando chegou ao centro do cemitério sentou o rei contra um tronco de árvore e amarrou-o, depois subiu para a árvore e pegou num saco cheio de pedras. Quando atirou a primeira pedra, mëlëp, o rei sobressaltou-se e gritou:
— Que se passa? Onde estou eu? Quem me trouxe para aqui?
O rei tremia como varas verdes. Sambayel respondeu:
— Fui eu, Deus, que te trouxe para cá.
O rei disse:
— Um deus que fala!
Sambayel fez uma voz de além-túmulo:
— Sim, e mato-te se não te calares.
O rei calou-se imediatamente. Sambayel atirou outra pedra, rut!, que caiu ao lado do rei. Este continuava a tremer de medo. Sambayel disse-lhe:
— Conheces o Sambayel?
O rei respondeu:
— O Sambayel, Filho de Ladrão e Neto de Mentiroso? Sim!
Ele voltou a atirar-lhe uma pedra, rut!, e disse:
Não quero voltar a ouvir essa infâmia. Que nunca mais nesta aldeia se oiça alguém chamá-lo por essa alcunha. Mais uma recomendação, tens uma filha bonita, que se chama Farmata, dá-a em casamento ao Sambayel, depois divide em dois o teu reino, tu continuarás rei numa parte e deixarás Sambayel reinar na outra. É uma ordem, se não lhe obedeceres és um homem morto.
Atirou mais uma pedra, para o assustar ainda mais. O rei concordou com tudo o que o deus Sambayel lhe pediu e foi desamarrado da árvore.
O rei voltou para casa.
No dia seguinte convocou os aldeões. Todos responderam à chamada excepto Sambayel, que como de costume dormia. O rei perguntou por ele, mas alguém teve a infelicidade de responder:
— Quem? O Sambayel, Filho de Ladrão e Neto de Mentiroso?
O rei mandou degolá-lo imediatamente, porque já ninguém podia chamar Sabayel assim.
Alguém foi buscar Sambayel e encontrou-o a dormir. Disse-lhe:
— Estão à tua espera em casa do rei.
— Diz que vou já, é só o tempo de me preparar.
Instantes depois chegou ao palácio do rei. Este recebeu-o como nunca antes e disse-lhe:
— Fui eu que mandei chamar-te. Quero que saibas que mais ninguém proferirá a alcunha Filho de Ladrão e Neto de Mentiroso, e acrescentou logo “Astaghfirulah”, para se fazer perdoar. Depois disse:
— Vou dividir o meu reino em dois e uma parte é para ti. Dou-te a mão minha filha Farmata. Ela será tua mulher quando quiseres.
Foi assim que Sambayel se tornou rei de uma parte do reino, casou com a filha do rei e fez esquecer a alcunha com que os aldeões o tinham ridicularizado.